O enforcamento do ex-ditador do Iraque, Saddam Hussein, na madrugada de 30 de dezembro de 2006, dividiu opiniões no mundo inteiro. De um lado, a voz dos que consideram que teve um julgamento justo, que a execução era inevitável, a única forma de purgar seus incontáveis crimes, principalmente o assassinato de milhares de iraquianos. De outro lado, a voz dos que consideram que o julgamento não passou de um subterfúgio à sede sanguinária de vingança, que a pena capital poderia ter sido substituída pela prisão perpétua, que o assassinato de Saddam Hussein, ainda mais por enforcamento, não contribuiu em nada à estabilização governamental do Iraque, que passa por uma guerra civil, mas será o estopim de uma convulsão social sem precedentes. Essas vozes reverberam pelos quatros cantos do século XXI, onde os progressos da ciência e tecnologia contrastam com a barbárie de guerras de todos os tipos, em que seres humanos racionais, inteligentes ao ponto de encontrarem soluções para problemas insolúveis e inventarem máquinas praticamente perfeitas, destróem-se, matando-se numa irracionalidade infinita. Na era da revolução digital, da globalização, a vida parece ter se tornado algo sem importância, banal.
Saddam Hussein, como todo ditador, usou e abusou da intolerância para consolidar seu poder, fez valer a pena de morte no Iraque, determinando a execução sem piedade de inimigos (e todos que não concordassem com suas idéias eram inimigos), foi um genocida, construiu obras gigantescas, monumentos à megalomania, varreu o país com sua imagem, cobrando reverência como um imperador, e formou uma aura de medo e terror, ao ponto de ser implacável com familiares. As atrocidades de seu governo ditatorial colocam-no ao lado de genocidas notórios do século XX, como Hitler, na Alemanha; Stálin, na Rússia; Mao Tsé-tung, na China; Idi Amim Dadá, em Uganda; e Pinochet, no Chile. Mas, destes, somente Hitler suicidou-se, os demais faleceram em idade avançada, de causas naturais. Já Saddam Hussein, antes dos 70 anos, teve a vida ceifada no cadafalso da forca, segurando um exemplar do Alcorão e dispensando a humilhação de um capuz. Bastava a humilhação de ter sido capturado indefeso, num buraco, com barba e cabelos longos, desgrenhados, sujo como um mendigo e com a saúde debilitada, e ter passado por um julgamento cuja sentença já era conhecida de antemão. Ele, que era acostumado a viver em palácios de ouro e mármore, e dar ordens a seus “súditos”, que o serviam sem titubear, e aplicar sentenças sem julgamentos. A ditadura de Saddam Hussein consistiu numa barbárie, numa desumanidade como não se viu nas décadas de 80 e 90 do século XX, mas sua execução não apagou esse período negro, não fez justiça aos que foram mortos ou sofreram perseguições, nem acabou com a guerra civil no Iraque. Antes, foi um ato bestial de vingança, onde permaneceu visível o reverso da barbárie.
Saddam Hussein deveria ter sido condenado à prisão perpétua, seria justo, pois, a cada amanhecer, saberia que nunca mais sairia da prisão, e os fantasmas do passado o atormentariam constantemente. Seria um morto-vivo enclausurado para sempre. Seus executores, na ânsia vingativa de eliminá-lo, igualaram-se a ele, além de contribuirem para o aumento do morticínio no Iraque e, talvez, para a reabilitação de sua imagem, pois poderá ser retratado como uma espécie de mártir, um chefe de Estado que cometeu atrocidades em defesa da causa do Islã. Que Alá impeça isso!!
(Arte: "O Grito", de Edvard Munch)
(Elson Teixeira Cardoso)
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