segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

A RETÓRICA DO ÓDIO

Rio de Janeiro, 7/2/2007. No cenário de um dos Estados mais violentos do país, uma mãe e seus filhos, um casal, foram rendidos por assaltantes – um deles, com menos de 18 anos – que exigiram o carro. Desesperada, a mãe conseguiu retirar a filha, mas João Hélio Fernandes, de seis anos, que estava no banco de trás, ficou preso ao cinto de segurança e, antes que pudesse ser retirado, os bandidos saíram em alta velocidade, arrastando o garoto por cerca de sete quilômetros. O assassinato seria somente mais um, num lugar onde balas perdidas são comuns, porém, a bestialidade do ato provocou grande comoção, indignação, revolta e ódio em todo o país. Até então, era impensável que tamanha crueldade pudesse ser realizada contra um inocente. Ao cometerem um crime horrendo, sem precedentes, os bandidos chocaram a sociedade e estremeceram as instituições, e subverteram os códigos do submundo do crime. O crime organizado mantém-se organizado, em grande parte, por possuir códigos de honra que são observados à risca, e atitudes como o assassinato bárbaro de um garoto indefeso, são punidas com o mesmo requinte de crueldade. Pode-se dizer que os bandidos assinaram as próprias sentenças de morte, e o cumprimento é uma questão de tempo.
Resta saber quais atitudes serão tomadas, para que outros assassinatos grotescos sejam evitados, e a criminalidade deixe de proliferar e tomar o Estado de assalto. Há discussões sobre mudanças na legislação, pois cada Estado possui problemas específicos na área de segurança pública, e, nesse viés, fala-se na redução da maioridade penal e aplicação da pena de morte. Mas serão ações resolutivas?
O Brasil é um país continental, portanto, um país de contrastes sociais, econômicos e culturais, visíveis em cada região e Estado. É óbvio que a situação na área de segurança pública do Rio de Janeiro é diferente do Paraná, do Amazonas, etc... As peculiaridades devem ser consideradas, e a legislação deve atinar às situações de cada Estado, sem, no entanto, incorrer na institucionalização da bestialidade. A diminuição da maioridade penal não é o segredo para acabar-se com os crimes adolescentes. As prisões estão abarrotadas de criminosos que tornam-se mais criminosos, e enchê-las de aspirantes a criminosos é acelerar o processo que ocorre, em menor grau, em instituições espalhadas pelos Estados. O segredo é a velha e necessária reforma do sistema prisional, de forma que não sejam meros “depósitos” de criminosos, mas verdadeiros centros de ressocialização. Por incrível que pareça, há vários que dão certo no país. De longa data, o cerco à criminalidade gera um debate que, volta e meia, vem à baila: a pena de morte. Os defensores dessa prática valem-se do argumento que seria a punição justa para certos crimes e, ao longo do tempo, os dizimaria de uma vez por todas. No calor do momento, sob o impacto do crime (mais que) hediondo que fez o país chorar, a pena de morte parece ser o mais viável. Entretanto, não passa de pura retórica do ódio. No caso do Rio de Janeiro, na prática, já existe clandestinamente, no submundo do crime e nas bandas podres das polícias, e a criminalidade prossegue enchendo as estatísticas dos órgãos de segurança pública. A institucionalização não diminuiria, nem acabaria com a criminalidade, até porque, nos países em que é aplicada, demora-se anos entre a sentença e a execução, além de serem consumidos milhões de dólares. Já a prisão perpétua deveria ser considerada.
O ódio impede a reflexão e a justiça depende dela; não é possível realizar justiça com ódio.
(Elson Teixeira Cardoso)

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