segunda-feira, 9 de julho de 2007

O PERIGO DAS ESCOVAS DE CABELOS

Mal comecei a tomar banho e minha esposa me chamou desesperada. O que teria acontecido? Um incêndio? A explosão de um posto de gasolina? A fuga dos animais do zoológico? Um terremoto? A cidade estava sendo engolida pelos incontáveis buracos que têm pipocado dia após dia, sem que ninguém faça algo a respeito? Um bombardeio atômico? Um ataque alienígena?
Nada disso.
Saí enrolado numa toalha, sem tempo de me enxugar e vi minha esposa andando de um lado para o outro, desnorteada, como se fosse corcunda, os cabelos caídos sobre o rosto, cobrindo a luminosidade de sua beleza. Aproximei-me mais e entendi o que havia acontecido. Uma escova estava enroscada em seus cabelos.
Pode parecer algo sem importância, uma escova enrosca nos cabelos e, simplesmente, é retirada. Mas não. A escova estava tão enroscada, que parecia colada aos fios de cabelos, um imã que atraíra cada fio para não soltar mais, o abraço de um tamanduá.
O que fazer? Ela sugeriu passar creme, porque ficaria fácil de desenrolar os fios da haste da escova. Sob o chuveiro, tentei retirar fio por fio, mas foi inútil. Quanto mais mexia, mais os cabelos ficavam presos à escova, ou a escova aos cabelos. Até arrisquei um pensamento filosófico, mas fui interrompido com seu desespero crescente.
O que fazer? Pensei em cortar as cerdas rente à haste da escova, o que permitiria que os fios deslizassem tranqüilamente, sendo libertados daquele aprisionamento. Pura teoria; não deu certo, porque não era possível cortar rente à haste da escova, além do mais minha esposa se mexia, levantava a cabeça, balançava os braços, atrapalhava a precisão do corte.
Foi quando tive uma idéia brilhante. Cortar a mexa de cabelos que estava enroscada. Rápido e fácil. Mas minha esposa não concordou, achou um absurdo, como poderia permitir que seus cabelos fossem cortados, se restaria um buraco enorme? Não, era melhor ficar com a escova enroscada, lançaria moda de um acessório, no mínimo, insólito. Afinal, de uma maneira geral, a moda é insólita.
Tudo bem, desisti de minha idéia brilhante, mas não descartei a tesoura. Retirei o cabo do suporte plástico que formava a haste e comecei a cortar vagarosamente, milímetro a milímetro, de modo a abrir a haste ao meio. Finalmente, os cabelos estavam soltos da escova, ou a escova estava solta dos cabelos. Para mais desespero de minha esposa, alguns fios tinham sido cortados. Foi inevitável, ou alguns fios perdidos, ou uma chamada ao Corpo de Bombeiros.
A escova estava toda destruída, e pensar que a compráramos há pouco. Então soube que a escova era velha, a nova estava na embalagem. Mas eram iguais. Tínhamos ido a uma loja naquela tarde e, depois de meia hora, minha esposa finalmente escolhera a escova perfeita, igual a que tinha, mesmo tamanho, mesma cor, mesma marca. Difícil saber porquê. Talvez haja um mistério inexplicável, algo que somente as mulheres entendem.
No dia seguinte, para meu desespero, voltamos à loja e, depois de mais meia hora, minha esposa escolheu outra escova, desta vez diferente, menor, cerdas flexíveis, uma escova mais apropriada aos seus cabelos, esclareceu a vendedora. Saímos satisfeitos, aliviados.
Depois disso, nunca mais subestimarei o poder das escovas de cabelos. Devem ser escolhidas padronizadamente, não importa quanto tempo demore, pois há o perigo de rebelarem-se e causarem um motim nos cabelos. Objetos inofensivos? Podem ser mais cortantes que lâminas. E, quando enroscam-se nos cabelos, ou o contrário, somente a tesoura pode resolver o problema.
(Arte: “Nicky Lane, Weymouth”, 1974, de Andy Wharol)
(Elson Teixeira Cardoso)