sábado, 16 de junho de 2007

A FEIÚRA É A BELEZA QUE SOFRE DE TIMIDEZ

Dizer que uma pessoa é feia é o mesmo que dizer que não existe, que é um rascunho descartado, um desenho borrado, uma pintura que não aconteceu. Dizer que uma pessoa é feia é o mesmo que dizer que é inválida, imprestável. Dizer que uma pessoa é feia é o mesmo que dizer que sucumbe como uma morta-viva, que degrada o meio ambiente, que é inconveniente. Dizer que uma pessoa é feia é demonstrar o quanto há de fel no coração, o quanto o coração está enegrecido de raiva, preconceito, frustração, o quanto o coração é pior que o pulmão de um fumante inveterado. Dizer que uma pessoa é feia é ser analfabeto visual, é não possuir uma gotícula de sensibilidade, é ser cego, é estar muito ocupado massageando o próprio ego, é andar de muletas achando que é um corredor profissional. Dizer que uma pessoa é feia é afirmar-se ignorante, é ser daltônico sentimental, é não olhar para o próprio desleixo, é não entender nada de beleza, é viver na completa incerteza, é não entender, é atestar a própria imcompetência para viver.

A feiúra não existe. A feiúra é a beleza que sofre de timidez. A feiúra é a beleza que não consegue ser ouvida, porque não ousa, permanece calada, buscando ser esquecida. A feiúra é a beleza com crise de identidade, com sentimento de inferioridade. A feiúra é o avesso da beleza, o reverso do brilho, da ostentação. A feiúra foi inventada para disfarçar a beleza, para que esta pudesse ter sossego, pudesse ir a vários lugares sem despertar a atenção. A feiúra é o sossego da beleza.

O problema é que a feiúra quis ser independente, ter vida própria, não viver à mercê da beleza, mas sair e encher os pulmões de liberdade. Mas arrependeu-se, porque foi rejeitada. O diferente é rejeitado por quem não o compreende, não o aceita. É a forma de anulá-lo, de extingui-lo. A feiúra é a beleza diferente, incompreendida. A feiúra é a beleza perseguida, presa, torturada, queimada numa fogueira, acusada de bruxaria. A feiúra é a beleza despreparada, inocente, virgem, pura.

A feiúra é a beleza que não se mostrou, preferiu permanecer intacta, longe dos carinhos grosseiros de bêbados, longe do apetite sensual de sóbrios. A feiúra é a beleza aquecida numa crisálida, é uma rosa cálida, faminta da seiva do amor. A feiúra é o teste supremo do amor. A feiúra é a beleza que escorregou numa poça. A feiúra é o teste supremo da beleza. A feiúra é o medo que a beleza tem de despertar de manhã e chocar os outros, não a si mesma. A feiúra é a jornada que a beleza realiza por um caminho árido, em busca do autoconhecimento. A feiúra é a válvula de escape para viver para si, não para os outros. A feiúra é uma máscara carnavalesca, refúgio em busca da alegria. A feiúra duela com a beleza, esquecendo-se que duela consigo mesma. A feiúra inexiste, não passa de um conceito inventado por quem não tinha imaginação. Ou tinha em demasia.

Como compreender o chamado padrão de beleza? A feiúra não existe, mas o padrão de beleza é horrendo. É artifical. Mulheres esqueléticas, caveiras com longos cabelos esfiapados, desfilam por passarelas, corredores injustos, ditando como todas as demais devem ser e se vestir. E todas as demais devem ser magérrimas, ossos envoltos em vestidos de cetim, com pele esticada de avelã, sem qualquer indício de rugas ou gorduras, com olhares esguios e sorrisos de maçãs murchas. A beleza artifical não se alimenta. O alimento é seu maior inimigo. A fome, sua maior companheira, sua maior confidente.

A mulher é bela em todas as ocasiões. Não importa se não tenha certos atributos físicos, somente o fato de ser mulher, de poder dar à luz, de amamentar, de sorrir sorrisos de marfim, de ser leal, dinâmica, forte, segura, a tornam bela. Há mulheres que parecem ter sido esculpidas à mão por um gênio, mas destilam veneno e de nada vale a face de pétala. Há mulheres rústicas na forma, porém, sublimes no trato. Estas, cativam pela voz e cavam a beleza represada na alma, afugentando a feiúra, porque sabem que não existe, não passa de uma timidez latente que teima em permanecer.

A beleza está nos corpos levemente roliços, nos cabelos de florestas, nas faces operárias, nas faces lavradoras, onde o suor hidrata e as rugas enfileiram-se, sulcos formados por arados, preparando as plantações vindouras, por máquinas, preparando a produção seguinte. A beleza está no corpo natural, sem implantes, cortes, toques e retoques. A beleza está na pele de riacho cristalino, na música de um violino, nas mãos tenras de emoção. A beleza existe. A beleza é a feiúra que teve coragem de aparecer e mostrar-se, de sair do caixote e lutar contra gigantes, como Dom Quixote. A beleza é a coragem, enquanto a feiúra é a fuga.

Dizer que uma pessoa é bela é dizer que é especial, única. Dizer que uma pessoa é bela é assumir a própria beleza, é despojar-se da hipocrisia, da vaidade, do sofrimento. Dizer que uma pessoa é bela é ser o espelho pelo qual ela verá seu reflexo. Dizer que uma pessoa é bela é alimentá-la com o alimento da alma, é fazê-la sorrir numa chuva de nuvens, é fazê-la flutuar pelos ares, é enchê-la de satisfação, é ler aquilo que está em seu coração, entalhado em ouro. Dizer que uma pessoa é bela, é dizer que não é tímida, que venceu a si mesma, que retirou o casaco da feiúra e o lançou num precipício, que libertou-se do vício da autopiedade, que aceitou a idade. Dizer que uma pessoa é bela é dizer que existe, que é uma obra-prima que existe para ser feliz. Dizer que uma pessoa é bela é dizer que a ama.

(Arte: "Galarina", de Pablo Picasso)

(Elson Teixeira Cardoso)

sexta-feira, 15 de junho de 2007

FÊNIX (MINICONTO)

Quando ele morreu, uma parte dela foi cremada junto e lançada ao mar. Ao conhecer novamente o amor, o que parecia impossível, as cinzas recompuseram-se e renasceu, tal uma fênix.

(Nota: Segundo a mitologia grega, a fênix é um pássaro descomunal, capaz de entrar em autocombustão e renascer das próprias cinzas, além de possuir grande força, podendo carregar até mesmo um elefante.)

(Arte: Ilustração de uma fênix)
(Elson Teixeira Cardoso)

quinta-feira, 14 de junho de 2007

RESUMO SOBRE A BIOGRAFIA "CHE GUEVARA - UMA BIOGRAFIA" ("CHE GUEVARA: REVOLUTIONARY LIFE"), DE JON LEE ANDERSON

(LIVRO DE CABECEIRA)

Na certidão de nascimento, Ernesto Guevara de La Serna nasceu em 14 de junho de 1928, porém, nasceu um mês antes, em 14 de maio, em Rosario, Argentina. Isto, porque sua mãe ficou grávida antes do casamento, contrariando as normas da sociedade fidalga a que pertencia. Algum tempo depois do casamento, a riqueza desapareceu, restando apenas o sobrenome pomposo e recordações. Mesmo assim, Ernesto e os irmãos tiveram uma excelente educação, como se o pai não perdesse um negócio atrás do outro, acabando com seu dinheiro e o da esposa.
No início da juventude, Ernesto demonstrou possuir espírito aventureiro e, sozinho, realizou uma viagem pelo interior da Argentina, numa bicicleta com motor. Anos depois, percorreu a Europa na garupa de uma moto, com aquele que viria a ser seu melhor amigo, Alberto Granado. Ernesto, inteligente, pesrpicaz, culto, estudou medicina e especializou-se em alergias. Intencionava realizar uma grande descoberta científica, para tornar-se conhecido. Realizou pesquisas, escreveu artigos científicos, viajou pela América do Sul, constatando como a população sofrida vivia. Chegou ao México numa época em que havia muitos revolucionários asilados. Conheceu aquela que seria sua primeira mulher, uma guerrilheira peruana. Conheceu Raúl Castro, e, por seu intermédio, o irmão dele, Fidel Castro, o jovem advogado, líder do Movimento 26 de Julho, uma espécie de união de movimentos contrários, que lutavam pela revolução em Cuba. Foi convidado por Fidel Castro a integrar a guerrilha e aceitou, sem saber o que o esperava. Àquela altura, era chamado de Che Guevara.
Em Cuba, Che adaptou-se a outra pátria, liderou guerrilheiros em batalhas sangrentas, viajou por lugares inóspitos, ganhou a confiança de Fidel, estudou, consolidou-se como comunista, mesmo não pertencendo ao Partido Comunista. Anos depois, em 1959, os rebeldes cubanos finalmente desceram a Sierra Maestra e tomaram Havana. Cuba estava livre.
Che passou a viver com uma jovem revolucionária cubana, com quem se casaria, e, no governo de Fidel, teve enorme importância na execução de práticas inspiradas tanto no socialismo marxista, quanto em outros filósofos esquerdistas da época. Implementou o Instituto Nacional de Reforma Agrária (INRA), que, em essência, seria a gênese da Revolução Cubana, com o Departamento de Industrialização, e auxiliou na elaboração da Lei de Reforma Agrária. Entretanto, Fidel relutava em proclamar a Revolução Cubana como sendo socialista, já que muitos que a integravam não eram socialistas. Isto somente ocorreu anos depois, chegando a dizer: "Sou marxista-leninista e o serei até morrer (...)". Depois, criou o Partido Comunista Cubano.
Che era uma figura incomum e exercia uma influência quase mística sobre as pessoas, reunindo em torno de si um número cada vez maior de discípulos, mas vivia modestamente, como se ainda vivesse clandestinamente nas serras cubanas, e trabalhava até tarde da noite. Che desagradou a ala moderada do Movimento 26 de Julho, pelas práticas visivelmente comunistas e violentas, mas prosseguiu com o trabalho, contando com a confiança de Fidel, que, aos poucos, controlava todo o Movimento 26 de Julho e instituições cubanas.
Che foi enviado por Fidel a vários países, como representante de Cuba. Entre outros, visitou a URSS e China, potências comunistas que divergiam. Foi nomeado, também, presidente do Banco Nacional de Cuba, encontrando tempo para continuar a escrever artigos e livros, e visitar países da América Latina, com intenções revolucionárias, principalmente Argentina e Brasil. Em 1964, deixou Cuba e regressou ao campo de batalha, mais propenso ao modelo comunista chinês, enquanto Fidel estreitava os laços econômicos com a URSS, de quem Cuba tornaria-se dependente por mais de duas décadas.
Che experimentou derrotas táticas, como no Congo e, mais tarde, na Bolívia, onde foi capturado. Em 9 de outubro de 1967, foi executado. Segundo a lenda, suas últimas palavras foram, dirigindo-se ao executor: "Sei que você veio para me matar. Atire, covarde,você só vai matar um homem." Seu corpo foi ocultado.
A morte de Che transformou-o em marte da Revolução Cubana e de outras revoluções vindouras. Mais que isso, passou a ser um mito mundial, um exemplo. A célebre fotografia de Alberto Korda, em que captou Che olhando ao horizonte, de boina, cabelos revoltos e barba desgrenhada, com expressão de revolta, indignação, em 1960, é a marca indelével do médico de família rica, porém, falida, que tornou-se guerrilheiro, abdicando do convívio familiar para dedicar-se à revolução, sem jamais desistir dos ideais.
Trinta anos depois da execução, Cuba festejou o encontro dos restos mortais de seu filho adotivo e herói da revolução. Entretanto, segundo diário do oficial encarregado de ocultar os corpos executados, disponibilizado por sua viúva, o local do encontro não era o mesmo do ocultamento, porém, não havia indicação precisa do local real. Ou seja, é possível que o corpo do mito Che Guevara ainda esteja oculto, quarenta anos depois de sua morte.
(Arte: Célebre fotografia de Che Guevara, captada por Alberto Korda, em 1960)
(Elson Teixeira Cardoso)

segunda-feira, 11 de junho de 2007

P A L E T A D E P A L A V R A S

PAISAGEM TORMENTOSA
Um clarão de luz e de repente o tumulto. Massas de água cinza perturbadas, rodando no centro da escuridão. De onde chega a ameaça? Como um animal feroz, ela corta todas as camadas do céu insaciável. Tempestade. Tempestade. TROVÕES. Nada que se julga existente sobrevive às águas revoltas, à fúria dos redemoinhos contra a prepotência asmática dos pequenos. Grandes navegações caem subitamente a pó e lágrimas atrás de correntes infernais. Prepotência... O tempo come e a carne que sobra se esconde atrás dos rochedos.

Texto inspirado na pintura de Rembrandt Paisagem Tormentosa, cerca de 1640 / Óleo sobre madeira, 51,3 por 71,5 cm / Brunsvique, Herzog Anton Ulrich-Museum

(Diana Menasché, escritora, www.dianamenasche.blogspot.com)

RESUMO SOBRE A AUTOBIOGRAFIA "MINHA VIDA", DE BILL CLINTON

(LIVRO DE CABECEIRA)

Algo comum entre as grandes personalidades da História é terem passado por tragédias pessoais. Com o ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, não foi diferente. O pai de William Jefferson Clinton, morreu num acidente de carro, antes de seu nascimento. O padrasto, de quem adotou espontaneamente o sobrenome Clinton, era mulherengo, beberrão e violento. Por outro lado, sua mãe desdobrou-se para criar os filhos, em meio a dificuldades de toda ordem, sendo um exemplo àquele que viria a ser um dos homens mais influentes do mundo.

Quando criança, Bill Clinton brincava com crianças negras, no Arkansas, um dos Estados mais racistas dos Estados Unidos. Jovem, enveredou-se pela política, trabalhando em comitês do Partido Democrata. Estudou Relações Internacionais e fez estágio no gabinete de um senador democrata. Graças a uma bolsa de estudos, estudou Direito em Oxford, onde conheceu a também estudante de Direito, Hillary Rodham, com quem se casaria anos depois. Formados, trabalharam num escritório de advocacia, até que Bill Clinton candidatou-se ao cargo de Procurador-Geral do Arkansas. O excelente desempenho e a grande popularidade como Procurador-Geral, estimularam-no a candidatar-se ao Governo do Estado. Eleito governador, a esposa Hillary Clinton participou ativamente do planejamento e desenvolvimento de projetos. Ela, que era especialista em políticas para crianças e adolescentes. Porém, o governador Bill Clinton não foi reeleito, devido a um aumento de impostos, que foi obrigado a realizar. A primeira derrota política foi marcante, mas serviu de impulso para não desistir de seus ideais, e somente entrar numa eleição com a certeza da vitória.
Candidatou-se novamente e foi eleito, sendo reeleito várias vezes, notabilizando-se pelos avanços em políticas de igualdade racial, atenção aos deficientes físicos e desenvolvimento do Estado. A competência gerencial e o carisma, foram fundamentais à candidatura à Presidência dos Estados Unidos, em 1992. Foi eleito, cumprindo um mandato de quatro anos que agradou os americanos, que o reelegeram em 1997. O segundo mandato foi difícil, pois o Partido Republicano alcançou maioria no Congresso e emperrou votações fundamentais. Além de que, afloraram escândalos sexuais impensáveis a um presidente do país mais rico do mundo.
O presidente Bill Clinton mentiu à população, num pronunciamento em cadeia nacional, dizendo ser inocente das acusações. Mas, diante de evidências, admitiu a culpa e pediu perdão à esposa que nunca o abandonara e à população. Humilhou-se. Tudo indicava que sofreria um impeachment. Entretanto, a população e a esposa o perdoaram, e não houve força política suficiente para destituí-lo do cargo. Encerrou o segundo mandato em 2000, aclamado pelos americanos, como um dos melhores presidentes da História dos Estados Unidos.
Sua autobiografia, mais que recordações da infância e juventude pobres, e feitos dos cargos eletivos ocupados, é uma verdadeira autocrítica de sua vida e um profundo agradecimento a todos que compartilharam os momentos agradáveis e tempestuosos, e o quanto aprendeu com personalidades do porte de Nelson Mandela. O auge da autocrítica é quando refere-se aos sofrimentos pelos quais ele, a esposa e a filha passaram, admitindo que todos foram culpa dele. Sua autobiografia é um tributo à esposa, mulher inteligente e dedicada, que construiu uma carreira política não apenas graças ao sobrenome Clinton, mas à vocação e experiência na formulação de políticas públicas. Também, ou principalmente, é um tributo à mãe, que passou por três casamentos, foi viúva duas vezes e somente encontrou a felicidade duradoura no último. Ela sofreu pelos filhos, privando-se de muitas coisas, mas pôde ver Bill Clinton como presidente dos Estados Unidos.
(Fotogafia: O ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, discursando)
(Elson Teixeira Cardoso)