sábado, 27 de janeiro de 2007

AS DIRETAS-JÁ E A REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL

O Movimento pelas Diretas-Já constituiu-se num marco da História do Brasil, pois foi um dos pilares de sustentação da redemocratização, na primeira metade da década de oitenta. Em 1984, pelos quatro cantos do país, centenas de milhares de pessoas, indepentende de posições contrárias, se juntaram com um único objetivo: conquistar o direito ao voto direto para presidente da República. A ditadura militar, sob a falácia de uma revolução, instalou-se no país em 1964, e, de 1968 a 1975, foi sangüinária, valendo-se de métodos execráveis para manter o controle do sistema. A tortura, o exílio e, principalmente, o assassinato, eram mecanismos utilizados para intimidar, afastar ou acabar de vez com aqueles que lutavam pelos direitos coletivos – acima de tudo, a liberdade. Depois de 1975, a ditadura tornou-se relativamente branda e, em 1984, quando o presidente era o general João Batista Figueiredo, não foi possível impedir a chamada abertura política, àquela altura inevitável, e o estágio seguinte foi a redemocratização.
Mas, antes do júbilo da redemocratização, o Movimento pelas Diretas-Já teve as expectativas frustradas, quando o Congresso Nacional não aprovou as eleições diretas. O ranço militar, com seu conservadorismo exacerbado, não permitiu que os brasileiros pudessem escolher diretamente o presidente da República, permanecendo um jejum de democracia de mais de duas décadas.
O presidente da República deveria ser escolhido pelo Congresso Nacional, e os candidatos eram dois. Paulo Maluf, protótipo construído pela ditadura militar, representava as oligarquias que curvavam-se diante dos carrascos militares. Tancredo Neves, exemplo de resistência à ditadura militar, tinha o apoio da maioria dos brasileiros, mesmo não podendo receber seus votos. Resultado. Tancredo Neves foi eleito presidente da República, alicerçado pelo que fora construído pelos heróis que lutaram contra os desmandos dos militares, principalmente aqueles que sacrificaram a própria vida, verdadeiros mártires, e também todos que participaram, de alguma maneira, do Movimeto pelas Diretas-Já. Alegria geral.
Entretanto, a alegria foi interrompida quando o presidente da República, recém-eleito, faleceu, sem ter tempo de governar o país. Fatalidade? Conspiração? Há defensores dessas duas teses, mas o fato é que, naquele momento, o país passou a ser governado por um quase desconhecido, um tal de José Ribamar Ferreira, ou José Sarney, escritor e político experiente do Maranhão, vice-presidente da República, cujo sobrenome pomposo, aristocrático, americanizado, contrastava com a infância humilde, mesmo simplória. Na verdade, o sobrenome era um apelido herdado de seu pai, que chamava-se Ney e era conhecido entre os americanos que desembarcavam nos portos maranhenses, onde trabalhava, como “sir Ney” (“senhor Ney”). Pois esse quase desconhecido, José Sarney, um civil como Tancredo Neves, governou o país continental chamado Brasil, de 1986 a 1989, sob o lema “Tudo pelo Social”. Na realidade, foi uma espécie de governo transitório entre a ditadura militar e a redemocratização, uma quase escolha democrática, sem o voto direto. E em que pesem alguns desastres econômicos (quem não se lembra dos tempos negros em que a inflação pairava na estratosfera, e não havia produtos para comprar, como carne?), em seu goveno, entre outras coisas, o direito à liberdade de expressão ganhou contornos consideráveis. Mas como teria sido o governo de Tancredo Neves? Nunca haverá uma resposta.
(Elson Teixeira Cardoso)

A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ E O AMADURECIMENTO DO BRASIL

Depois da reabertura política, o processo de redemocratização do Brasil culminou na formação da constituinte, em 1987, e na eleição direta para a Presidência da República, em 1989. Durante a constituinte, o Congresso Nacional uniu-se em torno da elaboração de uma nova Carta Magna do País, um conjunto de leis régias que pudesse ser a síntese legal de um novo período democrático, conquistado após duas décadas sofríveis, sob o jugo da ditadura militar. Os trabalhos foram coordenados pelo saudoso deputado Ulysses Guimarães, com a participação ativa de deputados proeminentes. Em outubro de 1988, a Constituição Federativa do Brasil – a Constituição Cidadã –, foi promulgada.
No cenário mundial, em 1989, um acontecimento especial mudou a História. A queda do Muro de Berlim e a conseqüente reunificação da Alemanha, contribuíram para a queda do Comunismo, simbolizado pelo fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), três anos depois. No Brasil, a eleição direta para a Presidência da República, acabou com um jejum cívico de quase três décadas. Vários candidatos disputaram o cargo, numa verdadeira batalha ideológica. Entre os principais candidatos, Paulo Maluf, ex-deputado federal por São Paulo, do Partido Democrático Social (PDS), que, depois de várias fusões nos anos seguintes, foi alterado para Partido Progressista (PP); e o ex-governador do Estado de Alagoas, Fernando Collor de Mello, do Partido da Reconstrução Nacional (PRN), eram os embaixadores da direita, apesar de pertencerem a partidos de embalagem enganosamente progressista, enquanto o deputado federal constituinte por São Paulo, Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT); o deputado federal constituinte por Pernambuco, Roberto Freire, do Partido Comunista do Brasil (PCB), que, três anos depois, foi alterado para Partido Popular Socialista (PPS); e o ex-governador do Estado do Rio Grande do Sul, e governador do Estado do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), dividiam a ala esquerda da campanha. Já o senador por São Paulo, Mário Covas, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), e o deputado federal constituinte Ulysses Guimarães, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), transitavam pelo chamado “centro”. Houve dois turnos, com uma disputa acirrada entre direita e esquerda. Os mais votados foram Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva, que foram para o segundo turno numa polarização digna de um terremoto político. Poderia dizer-se que preconceitos foram vencidos, já que o ex-governador de um dos Estados mais pobres do País disputou o cargo mais importante com um ex-metalúrgico. Mas não foi bem assim.
De um lado, Collor possuía uma bagagem incomum. Descendente da oligarquia alagoana, representava o que havia de mais atrasado na política do Estado de Alagoas, e do País. Jovem, posava de galã intelectual, já que era dado a demonstrações públicas de desafios e havia cursado três faculdades – Direito, Economia e Jornalismo –, além de falar línguas. Egocêntrico, propalava a reconstrução nacional, sem apresentar um programa consistente através do obscuro PRN, mas não importava, sua imagem estava encalacrada no imaginário de milhões de eleitores, que o viam como o caçador de marajás, o anti-corrupto, uma espécie de super-herói que sairia em defesa dos necessitados. Não passava de um candidato fabricado, produto de um marketing desonesto, era desprovido de todas as qualidades que demonstrava de forma berrante. Mas conseguiu iludir mais de quarenta e quatro milhões de eleitores.
De outro lado, Lula não era o peão ignorante, que mal sabia falar, operário que não pensava, nem planejava, somente executava serviços braçais, uma espécie de estivador que conservava a barba à Fidel Castro, como se estivesse a serviço de comunistas linha dura, não era uma marionete conduzida por meia dúzia de intelectuais, mas um líder nato, um personagem da História do Brasil, no capítulo da luta sindical. Conhecia pessoalmente os porões da ditadura militar. Como idealizador, fundador e principal articulador do PT, tinha a prerrogativa de ser o candidato natural do partido, mesmo sem poder ostentar um diploma universitário. E não era inexperiente em política, pois concorrera ao governo do Estado de São Paulo, em 1982, quando foi derrotado por André Franco Montoro. Depois, foi o deputado federal mais votado do Estado, e um dos mais atuantes na constituinte. Em sua primeira campanha à Presidência da República, foi vitorioso mesmo não sendo eleito, pois venceu nomes históricos da política nacional, alcançando cerca de quarenta milhões de votos no segundo turno, o que, sem dúvida, balizou as campanhas seguintes, levando-o a ser eleito treze anos depois, em 2002, na quarta tentativa.
Collor assumiu a Presidência da República em 1990 e governou por mais de dois anos, tempo suficiente para que ocorresse uma verdadeira catástrofe no País, uma ecatombe política que uniu brasileiros de diversas camadas sociais, numa cruzada pelo impeachment do presidente, que havia demonstrado ser indigno da faixa presidencial que recebera de José Sarney. Entre os desastres de seu governo, dois não podem ser esquecidos, tamanho o trauma que causaram.
Primeiro, a nomeação da economista Zélia Cardoso de Mello, para o Ministério da Fazenda. Numa atitude insana, houve confisco de poupanças, aplicações e valores em contas correntes, algo que nem mesmo os militares ousaram realizar. Como era de se esperar, o Plano Econômico absurdo não deu certo e Collor demonstrou ser o grande usurpador da nação. Enquanto isso, a ministra envolveu-se num escândalo patético com o ministro da Justiça, Bernardo Cabral, com quem teve um romance proibido, que gerou um livro – “Zélia, uma Paixão”, escrito sob encomenda por Fernando Sabino, escritor consagrado que, inexplicavelmente, aceitou a empreitada inglória. E o esquema de corrupção ampliava os tentáculos no governo, sob o controle do ex-tesoureiro da campanha de Collor, PC Farias – misteriosamente assassinado em 1996, com a namorada.
Segundo, a nomeação do (autoproclamado) cineasta Ipojuca Pontes para o Ministério da Cultura. De forma medíocre e incompetente, contribuiu para que o pouco que havia em favor da cultura fosse destruído.O cinema nacional, que já agonizava, quase foi enterrado em sua (felizmente) breve passagem, que, mesmo assim, foi uma espécie de idade média para artistas, produtores culturais e intelectuais, que eram humilhados pelos desmandos do governo, cujas ações iam na contramão da elaboração e execução de uma política de desenvolvimento cultural no País, consistente e inclusiva.
Estes exemplos demonstram claramente como o “governo collorido” foi obscuro, cego e corrupto, e como foi necessário interrompê-lo no meio do mandato, antes de uma tragédia maior. O primeiro presidente da República, eleito democraticamente após um período ditatorial, foi afastado pela pressão popular. Ou seja, pela pressão democrática, o que serviu para que o Brasil amadurecesse mais.
(Elson Teixeira Cardoso)

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

LOURENÇO FILHO, MANDELA E JC: RECORDAÇÕES!

Acho que sou um dos poucos ex-alunos da EEPG Professor Lourenço Filho (na década de 90, foi desativada), que localizava-se num prédio apertado, entre as ruas 1º de Agosto e Virgílio Malta, no Centro de Bauru. Até hoje, não sei como cabiam tantos alunos. No intervalo (à época, já não era mais “recreio”), o pátio era disputado centímetro a centímetro. Pode parecer absurdo, mas havia uma bibliotecária que, seguindo ordens da direção, ou sua própria vontade, não permitia que livros de Jorge Amado fossem retirados pelos alunos. Os livros eram censurados descaradamente, servindo tão-somente como decoração nas parcas prateleiras empoeiradas.
Em 1987, quando estava na 8ª série do colegial (atual 8º ano do ensino fundamental), toda sexta-feira era preciso levar uma notícia publicada na semana, para divulgação e reflexão, na disciplina de Organização Social e Política do Brasil (OSPB). Não havia mais ditadura, o país era governado por um civil a dois anos, mas a OSPB resistia às mudanças sociais e políticas; era uma reformulação da antiga Educação Moral e Cívica, implantada durante o regime ditatorial, uma verdadeira “lavagem cerebral”, com propaganda dos governos militares, e a “versão oficial” da História do Brasil. Porém, mesmo tendo resquícios ditatoriais, gostava de OSPB, pois, dependendo do professor, havia um estudo mais “aprofundado” da situação política do país. Sempre realizava a tarefa semanal, com prazer. Bastava ler o título de uma notícia qualquer e resumi-la à classe, e a professora complementava com comentários, instigando os alunos a debaterem – coisa rara nos dias atuais.
A mais brilhante notícia que levei, foi sobre Nelson Mandela, líder da oposição ao regime apartheid, que segregava sanguinariamente brancos e negros, na África do Sul. Condenado à prisão perpétua em 1964, fazia 23 anos que estava preso, com trabalhos forçados numa pedreira, e, cada vez mais, tornava-se um símbolo de resistência e luta em favor da igualdade racial, crescendo a pressão internacional sobre o presidente sul-africano, Frederick De Klerk, pela sua libertação. (Três anos depois, em 1990, Nelson Mandela foi posto em liberdade, após ter ficado cerca de 27 anos na prisão. Em 1993, recebeu, merecidamente, o prêmio Nobel da Paz, e, em 1994, nas primeiras eleições democráticas da África do Sul, foi eleito presidente.) A notícia era de uma edição do Jornal da Cidade (JC). À época, Bauru também contava com dois jornais – JC e Diário de Bauru, já extinto –, mas, como acontece hoje, o JC, devido à tradição e credibilidade, é que fazia a diferença, era o mais completo, o mais crítico, o mais lido, o mais apreciado.
Fundado em agosto de 1967, o JC possui quase 40 anos de testemunho ocular de fatos ocorridos na cidade, no Brasil e no mundo. Devido à sua importância, incluindo a realização de ações em benefício da cidade e região, o JC configura-se num jornal cidadão. A coluna “Tribuna do Leitor”, por si só, é um exemplo de cidadania. Talvez o JC seja o único jornal do país que disponibiliza uma coluna e uma página inteira, três vezes na semana, e uma coluna nos demais dias, para textos de leitores. São publicados textos extensos, crônicas, sobre assuntos relativos à cidade, ou assuntos gerais. A coluna consiste num fórum democrático, onde há a possibilidade de expor idéias e debater assuntos, exercitando a arte de escrever. É uma tribuna livre.
Recordar significa fazer voltar ao coração. Hoje, faço voltar ao coração a escola que não mais existe, o líder que tornou-se mito e o jornal que acompanha Bauru há quase quatro décadas, que, num dia qualquer, teve uma significação especial para mim. É bom ter recordações!
(Elson Teixeira Cardoso)

quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

UMA CRÔNICA

Uma crônica pode ser o retrato de um momento único, mágico, mas também pode ser a narração do cotidiano cru. Uma crônica pode ser um comentário crítico, esfuziante, carregado de metáforas e metonímias, um repositório de idéias, a defesa de uma tese, ou, simplesmente, a maneira infantil de enxergar-se a realidade. Uma crônica pode ser um microconto, uma história solta no ar, uma parábola, uma fábula, pode ter personagens imaginários dialogando absurdamente sobre o improvável, provando que nada é mais estranho que situações comuns. Uma crônica pode tratar de algo que nunca será, mas que seria bom se fosse. Uma crônica pode tratar de algo que é, mas que seria bom se nunca tivesse sido.
Uma crônica tem o cheiro da manhã e o sabor de ir à padaria, à banca de jornais, à feira, à praça; tem o prazer de tomar café recém-coado, de caminhar pelo calçadão da praia, de visitar livrarias e sebos, de dizer "eu te amo". Uma crônica tem o calor da tarde e é salgada como as águas do mar. Uma crônica tem o aroma da noite e o brilho suntuoso de estrelas. Uma crônica tem a ansiedade e surpresa do primeiro encontro, e o romantismo do tão aguardado jantar à luz de velas. Uma crônica tem o silêncio noturno, com o leve roçar do vento, e a agitação do dia seguinte. Uma crônica tem o início próprio de uma segunda-feira de trabalho, e a sensação preguiçosa de uma sexta-feira, depois do expediente. Uma crônica tem os passeios do sábado e do domingo, e as viagens de férias, inesquecíveis. Uma crônica tem a lembrança do primeiro filho, do choro à noite toda, das idas constantes ao pediatra, dos gastos exorbitantes com remédios; tem o orgulho das primeiras palavras, das primeiras engatinhadas, dos primeiros passos, sozinho. Uma crônica tem as lembranças dos churrascos e festas com familiares e amigos.
Uma crônica tem o gosto da vida.
(Elson Teixeira Cardoso)

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

"ESQUERDA, DIREITA, VOLVER..."

Na França, no dia 14 de julho de 1789 (século XVIII), o levante que agrupou intelectuais, burgueses, artesãos, operários, camponeses e trabalhadores em geral, em torno de um mesmo ideal, sob o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, tomou e derrubou a Bastilha, símbolo do absolutismo monárquico, dando início à Revolução Francesa, cujo êxito inspiraria aspirantes a revolucionários de diversos países, incluindo o Brasil, então colônia de Portugal, situação desonrosa para os inconfidentes mineiros, que, na cidade de Vila Rica, atual Ouro Preto, engendravam uma revolução, objetivando a expulsão da nação usurpadora das riquezas naturais. Infelizmente, não prosperaram, mas a Inconfidência Mineira permaneceu como o primeiro movimento da História do Brasil, em que escritores, militares e membros das diversas camadas sociais, engajaram-se em torno de um mesmo ideal.
Os integrantes da Revolução Francesa, ao chegarem ao poder, sacudiram o verniz romântico da coesão ideológica, que permitia que expoentes de pensamentos diametralmente opostos, lutassem nas mesmas fileiras, e seguiram por vias contrárias. A partir de correntes existentes, formaram-se partidos com ideologias próprias, que viriam a disputar espaço no poder conquistado. Os mais fortes eram os Jacobinos e os Girondinos, partidos que defendiam a Repúbica, porém, representavam a dualidade ideológica do poder instalado na França.
O Partido dos Jacobinos era composto pelos sans-cullottes (intelectuais, artesãos, operários, camponeses e trabalhadores em geral), que defendiam uma ideologia voltada aos problemas sociais, o que também serviu de base, décadas depois, às idéias dos filósofos Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), idealizadores do Comunismo. Os principais líderes, os filósofos Robespierre e Danton, e membros, reuniam-se no Convento de Saint Jacques. Daí serem chamados de Jacobinos. Por sua vez, o Partido dos Girondinos era composto pelos burgueses e políticos, que defendiam uma ideologia voltada a interesses comerciais diversos, puramente burgueses, entrando em choque com a ideologia dos Jacobinos. Os principais líderes, deputados Brissot e Roland, e membros, reuniam-se no Departamento (Estado) de Gironda, no interior da França. Daí serem chamados de Girondinos.
A História da Revolução Francesa registra que, há cerca de 217 anos, na primeira reunião após a tomada do poder, numa ampla sala, os representantes dos Jacobinos, sem motivo aparente, sentaram-se à esquerda, enquanto os representantes dos Girondinos sentaram-se à direita. Isto cunhou a expressão esquerda e direita, em Política. Os Jacobinos, com idéias radicais, na opinião dos Girondinos, governaram a França e implantaram mudanças sociais importantíssimas, porém, menos de vinte anos depois, as divergências internas, com a formação de novas correntes, contribuíram para que Napoleão Bonaparte e seu ego imperial, suplantassem o poder. Atualmente, a expressão esquerda e direita não pode ser entendida como síntese de ideologias dualistas, opostas quanto ao foco de ação, pois há diversas correntes de cada uma, enquanto sobressai-se a chamada Terceira Via, idealizada na Europa, e que estabelece uma espécie de ponte entre a esquerda e a direita. É o volver entre ambas, a volta brusca. Será uma opção ao esvaziamento ideológico da esquerda e da direita? Será a partidarização da dúvida, da falta de posições concretas? Somente o futuro responderá.
(Elson Teixeira Cardoso)

O REVERSO DA BARBÁRIE

O enforcamento do ex-ditador do Iraque, Saddam Hussein, na madrugada de 30 de dezembro de 2006, dividiu opiniões no mundo inteiro. De um lado, a voz dos que consideram que teve um julgamento justo, que a execução era inevitável, a única forma de purgar seus incontáveis crimes, principalmente o assassinato de milhares de iraquianos. De outro lado, a voz dos que consideram que o julgamento não passou de um subterfúgio à sede sanguinária de vingança, que a pena capital poderia ter sido substituída pela prisão perpétua, que o assassinato de Saddam Hussein, ainda mais por enforcamento, não contribuiu em nada à estabilização governamental do Iraque, que passa por uma guerra civil, mas será o estopim de uma convulsão social sem precedentes. Essas vozes reverberam pelos quatros cantos do século XXI, onde os progressos da ciência e tecnologia contrastam com a barbárie de guerras de todos os tipos, em que seres humanos racionais, inteligentes ao ponto de encontrarem soluções para problemas insolúveis e inventarem máquinas praticamente perfeitas, destróem-se, matando-se numa irracionalidade infinita. Na era da revolução digital, da globalização, a vida parece ter se tornado algo sem importância, banal.
Saddam Hussein, como todo ditador, usou e abusou da intolerância para consolidar seu poder, fez valer a pena de morte no Iraque, determinando a execução sem piedade de inimigos (e todos que não concordassem com suas idéias eram inimigos), foi um genocida, construiu obras gigantescas, monumentos à megalomania, varreu o país com sua imagem, cobrando reverência como um imperador, e formou uma aura de medo e terror, ao ponto de ser implacável com familiares. As atrocidades de seu governo ditatorial colocam-no ao lado de genocidas notórios do século XX, como Hitler, na Alemanha; Stálin, na Rússia; Mao Tsé-tung, na China; Idi Amim Dadá, em Uganda; e Pinochet, no Chile. Mas, destes, somente Hitler suicidou-se, os demais faleceram em idade avançada, de causas naturais. Já Saddam Hussein, antes dos 70 anos, teve a vida ceifada no cadafalso da forca, segurando um exemplar do Alcorão e dispensando a humilhação de um capuz. Bastava a humilhação de ter sido capturado indefeso, num buraco, com barba e cabelos longos, desgrenhados, sujo como um mendigo e com a saúde debilitada, e ter passado por um julgamento cuja sentença já era conhecida de antemão. Ele, que era acostumado a viver em palácios de ouro e mármore, e dar ordens a seus “súditos”, que o serviam sem titubear, e aplicar sentenças sem julgamentos. A ditadura de Saddam Hussein consistiu numa barbárie, numa desumanidade como não se viu nas décadas de 80 e 90 do século XX, mas sua execução não apagou esse período negro, não fez justiça aos que foram mortos ou sofreram perseguições, nem acabou com a guerra civil no Iraque. Antes, foi um ato bestial de vingança, onde permaneceu visível o reverso da barbárie.
Saddam Hussein deveria ter sido condenado à prisão perpétua, seria justo, pois, a cada amanhecer, saberia que nunca mais sairia da prisão, e os fantasmas do passado o atormentariam constantemente. Seria um morto-vivo enclausurado para sempre. Seus executores, na ânsia vingativa de eliminá-lo, igualaram-se a ele, além de contribuirem para o aumento do morticínio no Iraque e, talvez, para a reabilitação de sua imagem, pois poderá ser retratado como uma espécie de mártir, um chefe de Estado que cometeu atrocidades em defesa da causa do Islã. Que Alá impeça isso!!

(Arte: "O Grito", de Edvard Munch)

(Elson Teixeira Cardoso)