segunda-feira, 25 de junho de 2007

P A L E T A D E P A L A V R A S

DEPRESSÃO PÓS-CONTRATO

Casamento, pra que te quero. Um embrulho de presente. Meia dúzia de flores. Convidados, pastéis, convites. Respondez s`il vous plait. Cestos, ornamentos, estrelas e fru-frus. Um embrulho a segurar pelo resto da vida. Um negócio que não dá pra usar e jogar fora (complicado...). Raro e temerário.

Tanta ansiedade e plim! Bateram-se as taças, acabou o champanhe. Olha, tá na hora de limpar a sala, a tenda, a festa, opa!, cacos de vidro, farelos de bolo, nhac. De encarar - enquanto é tempo - isso não vai durar. Vai murcha-ar...

Casamento, casamento, casamento. Ele perdura lá, pendurado na parede, perguntando quando vai virar dois belos documentos de óbito. Hehe. Sede, tédio e inveja. Por ali esquecidos os momentos de sonhos, saudaaades... Só vontade de apagar. A vela. O brinde. A promessa. Um nó, uma aliança sem tamanho ajustado. Bamba no dedo, sobra daqui, falta de lá. Peça que não cai direito, cai na primeira esquina, vai esquecida, roubada...
Mas que às vezes funciona... mistério! O capturado vira mestre e as alianças, algemas de espuma, que ninguém consegue separar. O preso sente o prazer de se deixar cair. O torpor de se deixar levar, livre, sem contornos nem destinos. Num piscar de olhos, a coragem de não ser, em prol de viver a derrota magnânima - enlouquecendo além do ópio, sendo puxado pelos cabelos, arrastando-se pela sedução, até os horripilantes primórdios do delírio...
(Arte: Victor Vasarely)
(Diana Menasché, escritora, http://www.dianamenasche.blogspot.com/)

domingo, 24 de junho de 2007

"ULISSES": A JORNADA ÉPICA DE UM DIA

(ENSAIO)
Quando James Augustine Aloysius Joyce nasceu, em 2 de fevereiro de 1882, no subúrbio de Rathgar, em Dublin, na Irlanda, o mais velho de dez filhos de uma abastada família católica, não houve sinais místicos de que seria um bolchevique das letras, um revolucionário do fazer literário, tornando-se um dos gênios da literatura universal.
James Joyce, como ficou conhecido, foi um dos casos raros de escritores que produzem obras à frente de sua época - não como um profeta, mas um visionário. Escreveu poemas, contos e romances, alcançando o feito de não ser "o-escritor-de-uma-única-obra", mas de várias, todas fundamentais à evolução da literatura.
Seguramente, suas principais obras literárias são: "Dublinenses" (1911), "Retrato do Artista Quando Jovem" (1913), Ulisses" (1923) e "Finnegans Wake" (1939). Em todas, inovou nos campos léxico e semântico, causando um misto de estranheza e sedução aos leitores e críticos de meados do século XX, pouco habituados ao anti-convencionalismo nas artes.
Desde então, "Ulisses" é considerado seu romance mais poético, complexo, denso, enigmático, o anti-romance que subverteu as regras ortodoxas da narrativa, através de um processo descontínuo, numa espécie de captação verbal do fluxo mental. De certa forma, antecipou literariamente o que Freud, seu contemporâneo, viria a realizar na Teoria da Psicanálise. Entretanto, nunca se conheceram.
A vida agitada de James Joyce, com viagens e auto-exílio, contribuiu à criação de personagens visivelmente instáveis psicologicamente. O universo dublinense sempre esteve presente em seus escritos, ainda que tenha passado a maior parte da vida longe de Dublin, e da Irlanda.
Em 1904, James Joyce conheceu Nora Barnacle, uma camareira que não comungava de sua vida cultural, mas, apesar das diferenças, casaram-se, e o dia 16 de junho, marcado por ter sido o dia em que fizeram sexo pela primeira vez, foi imortalizado no romance "Ulisses", uma espécie de repositório de figuras reais, transfiguradas em personagens que vivem à beira da exaustão psíquica.
Em "Ulisses", o enredo intrincado e poético, espécie de "reinvenção" do personagem mítico de "A Ilíada" e "A Odisséia", do poeta cego Homero, possui inúmeros personagens e cabe no cotidiano de um dia: 16 de junho de 1904, precisamente em dezoito horas, na cidade de Dublin, Irlanda. Tudo gira em torno de Stephen Dedalus (recriação de Telêmaco, além de espécie de alter ego de James Joyce; o personagem surgiu primeiramente em "Retrato do Artista Quando Jovem") e o casal Leopold Bloom (recriação de Ulisses) e Molly (recriação de Penélope).
(No poema grego, Ulisses, casado com Penélope, deixa-a e o filho, Telêmaco, lançando-se numa jornada durante dezoito anos. Somente ao retornar é que Penélope deixará de fiar, desfiar e refiar, bordar, desbordar e rebordar sua teia, sem ceder aos apelos dos inúmeros pretendentes à sua mão, depois derrotados por Ulisses e seu filho.)
Leopold Bloom é judeu e trabalha como agenciador de anúncios para jornal, é livre pensador de cultura mediana, mas de infinita admiração pelo que supõe ser cultura, é infeliz no casamento e tem uma filha, Milly (já desperta ao sexo). É discriminado por sua delicadeza e urbanidade de trato, por sua ascendência — ora é irlandês, ora judeu, ora estrangeiro, ora cidadão do mundo, suspeito e segregado. A tristeza recorrente em sua vida, e na da esposa, é o filho varão natimorto, personagem que como rima reaparece na mente de ambos, ausência presente que impediu a felicidade do casal. Molly é aquela que podia ou teria querido casar melhor, é a que amou o esposo e não sabe se deixou de amá-lo, é a que o trai imaginariamente, é a que, no devaneio, recapitula amores, recapitulados também pelo esposo. A contagem do casal não coincide: ela não conta os quase-casos, ele os conta em parte, mas omite, ao que parece, alguns reais casos. Molly é humaníssima — Gea Tellus, a Terra Fecunda, a Terra-Mãe —, fora educada para ser dona-de-casa, mas falha nas tarefas.
No decorrer do dia, Stephen Dedalus e dois colegas, albergados nas ruínas de uma torre à beira-mar, debatem temas essencialmente teológicos e teleológicos. Depois, Stephen dá uma aula de história a garotos e recebe um salário. Caminha por uma praia, ruminando os pensamentos e ''lendo'' a marca de cifras, símbolos e signos nas coisas e seres.
Entra em cena Leopold Bloom, matinal, ''conversando'' com a gata, preparando o desjejum da esposa, antegostando o seu. Nada mais corriqueiro. Sai e perambula por Dublin, a cidade personagem, o espaço geográfico de sua jornada épica, puramente psicológica. Chega à casa de um amigo morto, cujo enterro acompanhará. Na redação do jornal, assiste a parte de um diálogo brandido por uns intelectuais presentes, Stephen, inclusive, mas não se conheciam. Vai, a seguir, almoçar, e peregrina em busca de local adequado. Depois, ruma para uma consulta à biblioteca central, e continua suas andanças pelas ruas, temeroso de voltar cedo para casa. Ao contrário do Ulisses grego, a felicidade conjugal não o espera no lar, mas a insatisfação e o fantasma do filho morto. Detém-se num bar e ouve músicas e árias que o inebriam. Passa por uma taverna, visita um hospital, participa de uma comemoração improvisada entre médicos, estudantes e visitantes, inclusive, Stephen, impressionando-se pelo verbo deste, vendo-o endinheirado e quase bêbado, o que o preocupa. O sentimento paterno aflora, numa clara indicação da amizade que está prestes a iniciar-se. Alguns desse grupo resolvem ir a um bordel, ele e Stephen vão juntos. O pai, frustrado pela perda do filho; o filho, frustrado pela sua condição, buscando seu fim, ou um pai de fato.
Bloom e Stephen iniciam um relacionamento interafetivo, que, adiante, prossegue na casa de Bloom, madrugada adentro. Numa interpenetração psíquica, as falhas de cada um juntam-se no convívio de algumas horas do dia, até que o novo amigo chega a dividir o leito interconjugal do casal.
Ao final, Molly, antes de redormir, recapitula o dia e parte de sua vida, num fluxo psíquico, entre lúcida e ilúcida, num derramamento monologal que constitui o clímax do romance.
A densidade de "Ulisses" decorre da jornada psicológica dos personagens, num cotidiano aparentemente normal, descobrindo-se à medida em que interagem uns com os outros, no palco da cidade de Dublin. Literatura e drama são fundidos, chegando ao ponto de um longo trecho do romance ser escrito à maneira de uma peça teatral, rompendo os limites estéticos impostos, numa ânsia desenfreada dos personagens, em busca da comunicação como atenuante ao universo solitário, em que pessoas são cercadas de pessoas, porém, sem se conhecerem. Notavelmente atual, numa época em que a comunicação direta é substituída pela comunicação virtual, e as pessoas continuam a viver à beira da exaustão psíquica.
Mas, James Joyce não usufruiu em vida do sucesso descomunal de seus escritos, principalmente "Ulisses" e a jornada épica de um dia. A vida desregrada, a bebida - bem ao sabor dos irlandeses -, a angústia de viver numa época que não o compreendia, levou-o a morrer em Zurique, Suíça, relativamente jovem e pobre, deixando um legado imprescindível à compreensão da literatura.
(Leia, abaixo, resumo sobre o romance "Ulisses", de James Joyce)
(Elson Teixeira Cardoso)

RESUMO SOBRE O ROMANCE "ULISSES", DE JAMES JOYCE

(LIVRO DE CABECEIRA)
Dublin, Irlanda. O enredo intrincado e poético, espécie de "reinvenção" do personagem mítico de "A Ilíada" e "A Odisséia", do poeta cego Homero, possui inúmeros personagens e cabe no cotidiano de um dia: 16 de junho de 1904, precisamente em dezoito horas. Tudo gira em torno de Stephen Dedalus (Telêmaco) e o casal Leopold Bloom (Ulisses) e Molly (Penélope).

(No poema grego, Ulisses, casado com Penélope, deixa-a e o filho, Telêmaco, lançando-se numa jornada durante dezoito anos. Somente ao retornar é que Penélope deixará de fiar, desfiar e refiar, bordar, desbordar e rebordar sua teia, sem ceder aos apelos dos inúmeros pretendentes à sua mão, depois derrotados por Ulisses e seu filho.)

Leopold Bloom é judeu e trabalha como agenciador de anúncios para jornal, é livre pensador de cultura mediana, mas de infinita admiração pelo que supõe ser cultura, é infeliz no casamento e tem uma filha, Milly (já desperta ao sexo). É discriminado por sua delicadeza e urbanidade de trato, por sua ascendência — ora é irlandês, ora judeu, ora estrangeiro, ora cidadão do mundo, suspeito e segregado. A tristeza recorrente em sua vida, e na da esposa, é o filho varão natimorto, personagem que como rima reaparece na mente de ambos, ausência presente que impediu a felicidade do casal.

Molly é aquela que podia ou teria querido casar melhor, é a que amou o esposo e não sabe se deixou de amá-lo, é a que o trai imaginariamente, é a que, no devaneio, recapitula amores, recapitulados também pelo esposo. A contagem do casal não coincide: ela não conta os quase-casos, ele os conta em parte, mas omite, ao que parece, alguns reais casos. Molly é humaníssima — Gea Tellus, a Terra Fecunda, a Terra-Mãe —, fora educada para ser dona-de-casa, mas falha nas tarefas.

No decorrer do dia, Stephen Dedalus e dois colegas, albergados nas ruínas de uma torre à beira-mar, debatem temas essencialmente teológicos e teleológicos. Depois, Stephen dá uma aula de história a garotos e recebe um salário. Caminha por uma praia, ruminando os pensamentos e ''lendo'' a marca de cifras, símbolos e signos nas coisas e seres. Entra em cena Bloom, matinal, ''conversando'' com a gata, preparando o desjejum da esposa, antegostando o seu. Sai e perambula por Dublin, a cidade personagem. Chega à casa de um amigo morto, cujo enterro acompanhará. Na redação do jornal, assiste a parte de um diálogo brandido por uns intelectuais presentes, Stephen, inclusive, mas não se conheciam. Vai, a seguir, almoçar, e peregrina em busca de local adequado. Depois, ruma para uma consulta à biblioteca central, e continua suas andanças pelas ruas, temeroso de voltar cedo para casa. Detém-se num bar e ouve músicas e árias que o inebriam. Passa por uma taverna, visita um hospital, participa de uma comemoração improvisada entre médicos, estudantes e visitantes, inclusive, Stephen, impressionando-se pelo verbo deste, vendo-o endinheirado e quase bêbado, o que o preocupa. Iniciam um relacionamento interafetivo, em que todas as falhas de cada um, se juntam no convívio de algumas horas do dia, até que o novo amigo chega a dividir o leito interconjugal do casal. Ao final, Molly, antes de redormir, recapitula o dia e parte de sua vida, num fluxo psíquico, entre lúcida e ilúcida, num derramamento monologal que constitui o clímax do romance.

(Fotografia: James Joyce, autor de "Ulisses", em 1928, de Berenice Abbott)
(Elson Teixeira Cardoso)

A PRIMEIRA IMPRESSÃO É FUGAZ

Seria um passeio comum de final de domingo, enfadonho tanto pelo horário quanto pelo local, cansativo no entardecer de um dia que arrastava-se para dar lugar à noite. Passeio familiar, preparação para o crepúsculo de um domingo inerte, destelhado. Chegamos a um lugar inóspito, pouco habitado. Ouvira falar sobre aquele lugar e o imaginava diferente: verdejante, oriental, circundado de lanternas japonesas, lagos de carpas, um lugar agradável aos olhos. Afinal, era um recanto de propriedade de japoneses, família de imigrantes que chegou ao país em 1908. Mas não. O local estava semiabandonado, poucas pessoas transitavam, caçando contentamento entre as árvores de galhos secos, árvores ralas de folhas. A terra apegava-se aos sapatos, como se quisesse fugir dali, do desterro, para encher outras paragens. Não havia nenhum inseto, por menor que fosse. Era como se tivessem fugido, retirantes, esperançosos de um lugar melhor para habitarem. A natureza estava morta; não num quadro, na realidade. Faltava ar, brilho, alegria. Triste maneira de terminar um domingo, este dia que é gordo, afável, mas que no anoitecer lembra fumaça vulcânica.

Senti vontade de ir embora, mas todos estavam animados em permanecer, carentes de natureza, não sabiam distinguir um ambiente saudável, rejuvenescedor, de um desértico. Não tinham experiência, acostumados com a poluição da cidade. Uma moita de fuligem tomava a forma de uma vegetação anã, bonsai cuidado com a meticulosidade de samurais da jardinagem. Queria sair correndo, ir em busca da tranqüïlidade da agitação da rodovia, onde carros voavam frenéticos, entre buzinas e faróis altos, como se guiassem navios que corriam o risco de naufragar no oceano de asfalto. Ao longe, luzes amareladas da cidade. O tempo passava e queriam continuar naquelas ruínas, explorando cada canto do que outrora fora um jardim oriental, estádio do sossego.

Contrariado, tentei imaginar que não estava ali, tentei dormir, mas a insônia me açoitou. Tivera uma péssima impressão, não conseguiria enxergar nada de inovador, nada que remetesse ao passado glorioso do recanto. O que deveria ser prazer, era agonia. Antes tivesse ficado em casa; agora, não estaria me afogando no tédio, não estaria prestes a desmaiar. Fomos a um bar, a única opção, e, como temia, nos sentamos, seguindo um ritual que indicava que ficaríamos horas estáticos, apreciando o que mostrava-se desagradável, enchendo os poros de angústia.

Minha esposa e meu filho afetivo resolveram cantar. Num piscar de olhos, estavam com microfones, cantando no videokê, enquanto um japonês com o pé quebrado manuseava o equipamento. Fiquei surpreso. Instantaneamente, a cortina espessa do bar, cortiça que impedia de enxergar a diversão, foi rasgada, e o som da música inundou o espaço, transbordou em meus ouvidos, foi ouvido nas matas, morros, chácaras, sítios, fazendas, cidades. Um som preciso que segurou a terra, penetrou-a, fez amor com ela, fecundou-a e proporcionou que as raízes de dezenas, centenas, milhares de arbustos, plantas e árvores irrompessem e substituíssem a vegetação calva, desmotivada. Pessoas cantavam em coro, dançavam, giravam como girassóis, aquecendo o local. Havia felicidade.

Como pude me esquecer da vocação de minha esposa? A música a acompanhava, era seu deleite. Sua voz quebrou o encanto dos escombros e o recanto fez jus ao nome. Pessoas chegavam de vários lugares, vinham sem saber como, içadas pela voz sublime, canto de Sereia, e resplandeciam com o barulho da satisfação.

Poucos sabem, mas basta conversar, ouvir a voz de outra pessoa, mesmo desconhecida, para sentir-se bem. O barulho afugenta a tristeza, a preocupação. Por isso, há quem durma com a TV ligada, o som embala o sono, proporciona a sensação de não estar sozinho, o som acompanha, é amigo. Os personagens dos filmes passam a ser amigos: cawboys, policiais, cavaleiros da idade média, nativos, viajantes estelares, todos povoam a realidade da semiconsciência, até que o sono dá seu beijo, e tudo passa a ser sonho. O sono é um ósculo profundo.

Caminhei alguns passos e espantei-me, porque lá fora tudo estava cheio de vida. Não queria ir embora, mas sorver o embevecimento proporcionado. Tive certeza que a primeira impressão não é a que fica. A primeira impressão é fugaz, desfaz-se num estalar de dedos, desaparece como se nunca tivesse existido.

Somos apresentados a alguém e, ora sentimos simpatia, ora sentimos antipatia. Por quê? A primeira impressão, quase sempre enganosa, nos leva a crer que estamos certos. No auge da arrogância, julgamos o outro sem conhecê-lo, sem saber o que, de fato, pensa. A primeira impressão é um descuido; erramos, porque estamos armados, preparados para enxergar e sentir o que é conveniente ao momento. A primeira impressão é um tormento.

Dei uma gargalhada e não conseguia parar de rir. Minha esposa, que suara de tanto cantar, perguntou se estava bem. Disse que sim. Quis saber porque ria tanto. Respondi que tudo estava diferente, como se fosse uma peça, como se estivéssemos interagindo com o espetáculo. De que está falando? Só porque cantamos? Não mudou nada. Como, não? Veja, a vegetação, as luzes, até as libélulas voltaram. Ela sorriu com um sorriso que foi um libelo à minha atitude. Saímos, fomos embora, mas antes vi um açude na escuridão espirrar água.

Realmente, nada mudara, porque tudo já existia, eu é quem não percebera. Não é possível perceber as maravilhas quando se está na margem da contrariedade, com uma venda no coração.

A primeira impressão é fugaz. A segunda impressão é audaz.

(Arte: "A Margem", de Matisse)
(Elson Teixeira Cardoso)

RESUMO SOBRE O ROMANCE "OS IRMÃOS KARAMAZOV", DE DOSTOIÉVSKI

(LIVRO DE CABECEIRA)
Rússia, século XIX. Um palco de intensos debates e conflitos sociais. O niilismo e o ateísmo são os principais elementos responsáveis pela degeneração familiar dos Karamazov, culminando na tragédia de um parricídio. O crime ocorrera há trinta anos. A vítima do crime, Fiódor Pávlovitch Karamazov, conhecido como "fazendeiro", apesar de mal freqüentar a propriedade. Um burguês mau, devasso, egoísta e pobre de espírito, que fora casado duas vezes e tivera três filhos: Dmítri Fiódorovich Karamazov, da primeira esposa, e Ivã Karamazov e Alieksiéi Karamazov, da segunda. Além da suspeita de um quarto filho, Smierdiákov, um criado imbecil que sofria de epilepsia, mas que não era tão imbecil, já que conhecia o esconderijo na casa, onde o velho Karamazov guardava o dinheiro.

Alieksiéi Karamazov, o filho mais jovem, deixou em dado momento o noviciado nas atividades monásticas, aconselhado por seu mestre espiritual, Zósima, para "voltar ao mundo" e, depois, decidir que caminho seguiria. Jovem, equilibrado e justo, agiu como o fiel da balança da família, apaziguando os ânimos e animando os irmãos, que viviam à beira da autodestruição. Seu irmão, Ivã Karamazov, era o mais viajado e inteligente, o niilista que exercia influência controladora sobre as pessoas, especialmente sobre o criado Smierdiákov. Irônico, corrosivo, era um debatedor de problemas sociais e religião, o autor da célebre frase: "(...) Se Deus não existe, então tudo é permitido (...)". Um imoral que tinha seus mistérios e vivia às expensas do pai, sem manter bom relacionamento com ele. Por sua vez, Dmitri Fiódorovich Karamazov, ou apenas Mítia, o meio-irmão, é instável, confuso, ora pende à bondade, ora à maldade. Perdulário, é o principal suspeito da morte do pai, justamente por disputar com ele o amor de uma mulher, além de também passar por problemas financeiros. É acusado, preso e julgado por um júri popular, que o considera culpado pelo crime de morte premeditada para roubar. Sabidamente, o culpaldo era Ivã, que tivera a idéia e instigara Smierdiákov a pô-la em prática, mas Smierdiákov estava morto e tudo conspirava contra Mítia.
Cobiça, exploração, deslealdade e mentira, são outros temas do enredo desse romance monumental, onde a intensa carga psicológica constitui não apenas o retrato de uma época conflitante, mas o retrato de várias épocas. Um romance atemporal, onde atos de maldade ecoam junto a atos de bondade.
Ao final, num discurso num velório, Alieksiéi Karamazov, o quase-monge diz: "(...) não temais a vida! Ela é tão bela quando se praticam o bem e a verdade! (...)"

(Arte: Imagem de Fiódor Dostoievski, em 1872, autor de "Os Irmãos Karamazov")

(Elson Teixeira Cardoso)