Três anos depois, “Pérola” foi novamente encenada em Bauru, no mesmo local, quase simultaneamente a “O Crime do Doutor Alvarenga”, uma “adaptação” ou “recriação” de uma peça escrita por seu pai, Oswaldo Rasi (à época, vivo), que teve a interpretação do incomparável Paulo Autran. É desnecessário dizer que assisti a ambas.
Mas por que recordo-me disso somente agora? Será que deveria ter recordado em 2006, quando completaram-se dez anos da primeira apresentação em Bauru, da peça “Pérola”? Será que deveria ter recordado no dia 27 de fevereiro de 2007, quando teria completado cinqüenta e oito anos? Ou será que deveria ter recordado no dia 22 de abril de 2007, quando completaram-se quatro anos que um câncer no pulmão levou-o à morte?
Recordo-me agora e transgrido a ordem natural de esperar pelo momento certo, aquele que vem acompanhado da data solene, sem o qual parece não haver sentido na homenagem. (O homem fica à espera de ocasiões especiais, quando tem o poder de criá-las.) Recordo-me agora, num dia aleatório, sem música de fundo executada por uma orquestra de câmara, sem chuva de papéis picados, sem pompa, apesar de não deixar de ser um dia festivo.
Recordo-me que Mauro Rasi, o principal teatrólogo bauruense – e um dos principais do Brasil -, cuja obra deveria integrar o projeto pedagógico-cultural das escolas da cidade, passou a infância e parte da juventude num sobrado estreito, com uma piscina no quintal exíguo, na rua Bandeirantes, no Centro, imóvel imortalizado na peça “Pérola”. Na década de 60, teve que sair de Bauru para ter seu talento reconhecido – à época, a miopia cultural já prevalecia – e lutou para consolidar sua carreira, sendo um dos criadores do “gênero besteirol” (comédias hilárias). Ao longo de sua carreira, recebeu inúmeros prêmios importantes, porém, nunca deixou de referir-se à cidade que tanto estimava, principalmente na peça “Pérola”, assistida por mais de 300.000 pessoas, no Brasil e Europa.
Recordo-me que Mauro Rasi, que possuía sensibilidade artística para captar a ironia e humor presentes no cotidiano, foi objeto de teses acadêmicas e escreveu, além de peças, textos para programas da Rede Globo de Televisão e crônicas para jornais de grande circulação. Utilizava uma linguagem direta, bem elaborada e sem pedantismo; confundia aqueles que, à primeira vista, consideravam sua peças superficiais, pois, com a simplicidade e prazer de quem vai à padaria, à feira ou à banca de jornais numa manhã de domingo, tratava de temas complexos, indagações seculares do homem, em obras que permitiam o prazer de refletir a partir de situações corriqueiras. Elementos autobiográficos eram constantes, serviam como críticas a si mesmo, porém, certas situações pareciam ser o reflexo do cotidiano de qualquer família.
Recordo-me que Mauro Rasi está sepultado longe de sua cidade-natal, no Cemitério dos Ingleses, no Rio de Janeiro, cidade que soube valorizar seu talento. Sua obra consiste num legado dramatúrgico e, conhecer esse legado – em qualquer momento, em qualquer data, em qualquer ocasião –, é a melhor homenagem que pode ser realizada ao saudoso autor, que completaria sessenta anos em 2009.
(Nota: Crônica publicada no Jornal da Cidade - de Bauru -, em 19/07/2007.)
(Elson Teixeira Cardoso)
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