sábado, 27 de janeiro de 2007

A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ E O AMADURECIMENTO DO BRASIL

Depois da reabertura política, o processo de redemocratização do Brasil culminou na formação da constituinte, em 1987, e na eleição direta para a Presidência da República, em 1989. Durante a constituinte, o Congresso Nacional uniu-se em torno da elaboração de uma nova Carta Magna do País, um conjunto de leis régias que pudesse ser a síntese legal de um novo período democrático, conquistado após duas décadas sofríveis, sob o jugo da ditadura militar. Os trabalhos foram coordenados pelo saudoso deputado Ulysses Guimarães, com a participação ativa de deputados proeminentes. Em outubro de 1988, a Constituição Federativa do Brasil – a Constituição Cidadã –, foi promulgada.
No cenário mundial, em 1989, um acontecimento especial mudou a História. A queda do Muro de Berlim e a conseqüente reunificação da Alemanha, contribuíram para a queda do Comunismo, simbolizado pelo fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), três anos depois. No Brasil, a eleição direta para a Presidência da República, acabou com um jejum cívico de quase três décadas. Vários candidatos disputaram o cargo, numa verdadeira batalha ideológica. Entre os principais candidatos, Paulo Maluf, ex-deputado federal por São Paulo, do Partido Democrático Social (PDS), que, depois de várias fusões nos anos seguintes, foi alterado para Partido Progressista (PP); e o ex-governador do Estado de Alagoas, Fernando Collor de Mello, do Partido da Reconstrução Nacional (PRN), eram os embaixadores da direita, apesar de pertencerem a partidos de embalagem enganosamente progressista, enquanto o deputado federal constituinte por São Paulo, Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT); o deputado federal constituinte por Pernambuco, Roberto Freire, do Partido Comunista do Brasil (PCB), que, três anos depois, foi alterado para Partido Popular Socialista (PPS); e o ex-governador do Estado do Rio Grande do Sul, e governador do Estado do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), dividiam a ala esquerda da campanha. Já o senador por São Paulo, Mário Covas, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), e o deputado federal constituinte Ulysses Guimarães, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), transitavam pelo chamado “centro”. Houve dois turnos, com uma disputa acirrada entre direita e esquerda. Os mais votados foram Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva, que foram para o segundo turno numa polarização digna de um terremoto político. Poderia dizer-se que preconceitos foram vencidos, já que o ex-governador de um dos Estados mais pobres do País disputou o cargo mais importante com um ex-metalúrgico. Mas não foi bem assim.
De um lado, Collor possuía uma bagagem incomum. Descendente da oligarquia alagoana, representava o que havia de mais atrasado na política do Estado de Alagoas, e do País. Jovem, posava de galã intelectual, já que era dado a demonstrações públicas de desafios e havia cursado três faculdades – Direito, Economia e Jornalismo –, além de falar línguas. Egocêntrico, propalava a reconstrução nacional, sem apresentar um programa consistente através do obscuro PRN, mas não importava, sua imagem estava encalacrada no imaginário de milhões de eleitores, que o viam como o caçador de marajás, o anti-corrupto, uma espécie de super-herói que sairia em defesa dos necessitados. Não passava de um candidato fabricado, produto de um marketing desonesto, era desprovido de todas as qualidades que demonstrava de forma berrante. Mas conseguiu iludir mais de quarenta e quatro milhões de eleitores.
De outro lado, Lula não era o peão ignorante, que mal sabia falar, operário que não pensava, nem planejava, somente executava serviços braçais, uma espécie de estivador que conservava a barba à Fidel Castro, como se estivesse a serviço de comunistas linha dura, não era uma marionete conduzida por meia dúzia de intelectuais, mas um líder nato, um personagem da História do Brasil, no capítulo da luta sindical. Conhecia pessoalmente os porões da ditadura militar. Como idealizador, fundador e principal articulador do PT, tinha a prerrogativa de ser o candidato natural do partido, mesmo sem poder ostentar um diploma universitário. E não era inexperiente em política, pois concorrera ao governo do Estado de São Paulo, em 1982, quando foi derrotado por André Franco Montoro. Depois, foi o deputado federal mais votado do Estado, e um dos mais atuantes na constituinte. Em sua primeira campanha à Presidência da República, foi vitorioso mesmo não sendo eleito, pois venceu nomes históricos da política nacional, alcançando cerca de quarenta milhões de votos no segundo turno, o que, sem dúvida, balizou as campanhas seguintes, levando-o a ser eleito treze anos depois, em 2002, na quarta tentativa.
Collor assumiu a Presidência da República em 1990 e governou por mais de dois anos, tempo suficiente para que ocorresse uma verdadeira catástrofe no País, uma ecatombe política que uniu brasileiros de diversas camadas sociais, numa cruzada pelo impeachment do presidente, que havia demonstrado ser indigno da faixa presidencial que recebera de José Sarney. Entre os desastres de seu governo, dois não podem ser esquecidos, tamanho o trauma que causaram.
Primeiro, a nomeação da economista Zélia Cardoso de Mello, para o Ministério da Fazenda. Numa atitude insana, houve confisco de poupanças, aplicações e valores em contas correntes, algo que nem mesmo os militares ousaram realizar. Como era de se esperar, o Plano Econômico absurdo não deu certo e Collor demonstrou ser o grande usurpador da nação. Enquanto isso, a ministra envolveu-se num escândalo patético com o ministro da Justiça, Bernardo Cabral, com quem teve um romance proibido, que gerou um livro – “Zélia, uma Paixão”, escrito sob encomenda por Fernando Sabino, escritor consagrado que, inexplicavelmente, aceitou a empreitada inglória. E o esquema de corrupção ampliava os tentáculos no governo, sob o controle do ex-tesoureiro da campanha de Collor, PC Farias – misteriosamente assassinado em 1996, com a namorada.
Segundo, a nomeação do (autoproclamado) cineasta Ipojuca Pontes para o Ministério da Cultura. De forma medíocre e incompetente, contribuiu para que o pouco que havia em favor da cultura fosse destruído.O cinema nacional, que já agonizava, quase foi enterrado em sua (felizmente) breve passagem, que, mesmo assim, foi uma espécie de idade média para artistas, produtores culturais e intelectuais, que eram humilhados pelos desmandos do governo, cujas ações iam na contramão da elaboração e execução de uma política de desenvolvimento cultural no País, consistente e inclusiva.
Estes exemplos demonstram claramente como o “governo collorido” foi obscuro, cego e corrupto, e como foi necessário interrompê-lo no meio do mandato, antes de uma tragédia maior. O primeiro presidente da República, eleito democraticamente após um período ditatorial, foi afastado pela pressão popular. Ou seja, pela pressão democrática, o que serviu para que o Brasil amadurecesse mais.
(Elson Teixeira Cardoso)

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