domingo, 24 de junho de 2007

"ULISSES": A JORNADA ÉPICA DE UM DIA

(ENSAIO)
Quando James Augustine Aloysius Joyce nasceu, em 2 de fevereiro de 1882, no subúrbio de Rathgar, em Dublin, na Irlanda, o mais velho de dez filhos de uma abastada família católica, não houve sinais místicos de que seria um bolchevique das letras, um revolucionário do fazer literário, tornando-se um dos gênios da literatura universal.
James Joyce, como ficou conhecido, foi um dos casos raros de escritores que produzem obras à frente de sua época - não como um profeta, mas um visionário. Escreveu poemas, contos e romances, alcançando o feito de não ser "o-escritor-de-uma-única-obra", mas de várias, todas fundamentais à evolução da literatura.
Seguramente, suas principais obras literárias são: "Dublinenses" (1911), "Retrato do Artista Quando Jovem" (1913), Ulisses" (1923) e "Finnegans Wake" (1939). Em todas, inovou nos campos léxico e semântico, causando um misto de estranheza e sedução aos leitores e críticos de meados do século XX, pouco habituados ao anti-convencionalismo nas artes.
Desde então, "Ulisses" é considerado seu romance mais poético, complexo, denso, enigmático, o anti-romance que subverteu as regras ortodoxas da narrativa, através de um processo descontínuo, numa espécie de captação verbal do fluxo mental. De certa forma, antecipou literariamente o que Freud, seu contemporâneo, viria a realizar na Teoria da Psicanálise. Entretanto, nunca se conheceram.
A vida agitada de James Joyce, com viagens e auto-exílio, contribuiu à criação de personagens visivelmente instáveis psicologicamente. O universo dublinense sempre esteve presente em seus escritos, ainda que tenha passado a maior parte da vida longe de Dublin, e da Irlanda.
Em 1904, James Joyce conheceu Nora Barnacle, uma camareira que não comungava de sua vida cultural, mas, apesar das diferenças, casaram-se, e o dia 16 de junho, marcado por ter sido o dia em que fizeram sexo pela primeira vez, foi imortalizado no romance "Ulisses", uma espécie de repositório de figuras reais, transfiguradas em personagens que vivem à beira da exaustão psíquica.
Em "Ulisses", o enredo intrincado e poético, espécie de "reinvenção" do personagem mítico de "A Ilíada" e "A Odisséia", do poeta cego Homero, possui inúmeros personagens e cabe no cotidiano de um dia: 16 de junho de 1904, precisamente em dezoito horas, na cidade de Dublin, Irlanda. Tudo gira em torno de Stephen Dedalus (recriação de Telêmaco, além de espécie de alter ego de James Joyce; o personagem surgiu primeiramente em "Retrato do Artista Quando Jovem") e o casal Leopold Bloom (recriação de Ulisses) e Molly (recriação de Penélope).
(No poema grego, Ulisses, casado com Penélope, deixa-a e o filho, Telêmaco, lançando-se numa jornada durante dezoito anos. Somente ao retornar é que Penélope deixará de fiar, desfiar e refiar, bordar, desbordar e rebordar sua teia, sem ceder aos apelos dos inúmeros pretendentes à sua mão, depois derrotados por Ulisses e seu filho.)
Leopold Bloom é judeu e trabalha como agenciador de anúncios para jornal, é livre pensador de cultura mediana, mas de infinita admiração pelo que supõe ser cultura, é infeliz no casamento e tem uma filha, Milly (já desperta ao sexo). É discriminado por sua delicadeza e urbanidade de trato, por sua ascendência — ora é irlandês, ora judeu, ora estrangeiro, ora cidadão do mundo, suspeito e segregado. A tristeza recorrente em sua vida, e na da esposa, é o filho varão natimorto, personagem que como rima reaparece na mente de ambos, ausência presente que impediu a felicidade do casal. Molly é aquela que podia ou teria querido casar melhor, é a que amou o esposo e não sabe se deixou de amá-lo, é a que o trai imaginariamente, é a que, no devaneio, recapitula amores, recapitulados também pelo esposo. A contagem do casal não coincide: ela não conta os quase-casos, ele os conta em parte, mas omite, ao que parece, alguns reais casos. Molly é humaníssima — Gea Tellus, a Terra Fecunda, a Terra-Mãe —, fora educada para ser dona-de-casa, mas falha nas tarefas.
No decorrer do dia, Stephen Dedalus e dois colegas, albergados nas ruínas de uma torre à beira-mar, debatem temas essencialmente teológicos e teleológicos. Depois, Stephen dá uma aula de história a garotos e recebe um salário. Caminha por uma praia, ruminando os pensamentos e ''lendo'' a marca de cifras, símbolos e signos nas coisas e seres.
Entra em cena Leopold Bloom, matinal, ''conversando'' com a gata, preparando o desjejum da esposa, antegostando o seu. Nada mais corriqueiro. Sai e perambula por Dublin, a cidade personagem, o espaço geográfico de sua jornada épica, puramente psicológica. Chega à casa de um amigo morto, cujo enterro acompanhará. Na redação do jornal, assiste a parte de um diálogo brandido por uns intelectuais presentes, Stephen, inclusive, mas não se conheciam. Vai, a seguir, almoçar, e peregrina em busca de local adequado. Depois, ruma para uma consulta à biblioteca central, e continua suas andanças pelas ruas, temeroso de voltar cedo para casa. Ao contrário do Ulisses grego, a felicidade conjugal não o espera no lar, mas a insatisfação e o fantasma do filho morto. Detém-se num bar e ouve músicas e árias que o inebriam. Passa por uma taverna, visita um hospital, participa de uma comemoração improvisada entre médicos, estudantes e visitantes, inclusive, Stephen, impressionando-se pelo verbo deste, vendo-o endinheirado e quase bêbado, o que o preocupa. O sentimento paterno aflora, numa clara indicação da amizade que está prestes a iniciar-se. Alguns desse grupo resolvem ir a um bordel, ele e Stephen vão juntos. O pai, frustrado pela perda do filho; o filho, frustrado pela sua condição, buscando seu fim, ou um pai de fato.
Bloom e Stephen iniciam um relacionamento interafetivo, que, adiante, prossegue na casa de Bloom, madrugada adentro. Numa interpenetração psíquica, as falhas de cada um juntam-se no convívio de algumas horas do dia, até que o novo amigo chega a dividir o leito interconjugal do casal.
Ao final, Molly, antes de redormir, recapitula o dia e parte de sua vida, num fluxo psíquico, entre lúcida e ilúcida, num derramamento monologal que constitui o clímax do romance.
A densidade de "Ulisses" decorre da jornada psicológica dos personagens, num cotidiano aparentemente normal, descobrindo-se à medida em que interagem uns com os outros, no palco da cidade de Dublin. Literatura e drama são fundidos, chegando ao ponto de um longo trecho do romance ser escrito à maneira de uma peça teatral, rompendo os limites estéticos impostos, numa ânsia desenfreada dos personagens, em busca da comunicação como atenuante ao universo solitário, em que pessoas são cercadas de pessoas, porém, sem se conhecerem. Notavelmente atual, numa época em que a comunicação direta é substituída pela comunicação virtual, e as pessoas continuam a viver à beira da exaustão psíquica.
Mas, James Joyce não usufruiu em vida do sucesso descomunal de seus escritos, principalmente "Ulisses" e a jornada épica de um dia. A vida desregrada, a bebida - bem ao sabor dos irlandeses -, a angústia de viver numa época que não o compreendia, levou-o a morrer em Zurique, Suíça, relativamente jovem e pobre, deixando um legado imprescindível à compreensão da literatura.
(Leia, abaixo, resumo sobre o romance "Ulisses", de James Joyce)
(Elson Teixeira Cardoso)

Um comentário:

Diana Menasché disse...

Tenho um professor que disse ter levado OITO meses pra conseguir ler esta obra!!!! Fiquei chocada!!! Mas como na mesma semana, praticamente, encontrei esse texto aqui, não pude deixar de ficar empolgada!!!!
Então, valeu pela força! hehe
Di